01 July, 2007

Historias do mar

O PRIMEIRO MARINHEIRO

Céu, algures entre Beja e o Redondo. Deus sentado no seu trono celestial com Noé, o guardador-mor de toda a bicharada, avisa-o
- Noé, vem aí uma grande chuva, arranja um barco onde caiba a bicheza toda.
- Senhor, não há espaço para todos com os barcos que há aí
- Atão faz tu um, de madeira, é mais barato...
- Senhor, mas eu não sei fazer barcos!
- Amanha-te, vê lá a melhor maneira tem de ser um barco lindo e que não gaste muito gasóilo.
Noé deprimido diz:
- Está bem senhor, eu faço um barco jeitoso.
Noé foi a uma serração em Ferreira do Alentejo onde comprou as tábuas para fazer o barco, seguiu para o Mestre Maco onde comprou pregos, cordas, martelos, bondex, para proteger a madeira do caruncho, e outros utensílios. Na feira de Borba comprou panos para o velame e numa metalomecânica no Alandroal mandou fazer as anteparas, os cabrestantes e as escotilhas, como não tinha muito mais dinheiro para gastar teve que comprar o motor de uma velha “Savien” para fazer o gerador e outro de uma “Berliet” estampada oriunda dos excedentes do deposito do exército para o motor de emergência. O hélice e o veio teve que ser ele próprio a faze-los.
Noé construiu o barco com afinco durante meses a fio, perdeu um número consideravel de quilos, não sobrou um dedo que não tenha sido espetado com pregos e ficou com cataratas nos olhos por causa da soldadura.
Chega finalmente o dia em que Noé mostra o barco ao senhor
- Senhor, o barco está pronto, o motor deita um bocado de fumo mas trabalha bem
- Lindo serviço Noé, o barco é feio como tudo, parece uma arca que a minha avó tinha, porra! Só por causa disso vai chamar-se “Arca de Noé” leva isso para o porto de Setúbal e junta lá a bicharada toda que dão chuva para o fim de semana.
Noé seguiu as instruções do chefe e levou a embarcação para Setúbal, o que foi um grande transtorno, chegado ao destino é recebido pela polícia maritima, e aí começam os problemas.
- Ora vamos lá ver, ora vamos lá ver, documentos da embarcação se faz favor.
-Não tenho senhor guarda
- Carta de marinheiro?
- Também não tenho.
-Qual é a carga que pretende transportar?
- Bichos.
- Ora isso é animais, vivos ou mortos?
- Senhor guarda, estou com pressa, é que vem aí o dilúvio...
- Pode até vir o Papa, sem papelada é que não sai daqui ninguém, quem é o proprietário da embarcação?
- É o senhor.
- Eu! Você está a gozar comigo?
- O senhor, Deus.
O guarda suspira, e reclama entre dentes pelos malucos que tem que aturar
- Olhe meu caro amigo, vai enviar um fax ou um telegrama ao armador da embarcação e pedir-lhe a documentação em falta, aproveite e tira a carta de Patrão de Alto-Mar
- Então e a chuva?
- Não estou interessado na chuva, bom fim de semana.
Nóe envia um telegrama ao senhor que dizia “senhor stop Não há papeis do barco stop preciso carta marinheiro stop F. favor registar barco.
O senhor assim fez, enviou toda a documentação em falta e um cheque de 300€ para Noé tirar a carta de marinheiro, quando recebeu os papéis, Noé não perdeu tempo e foi à capitania do porto de Setubal.
A simpática funcionária recebeu Noé com uma pilha de formulários, selos, carimbos, etc.
- Nome da embarcação por favor.
- Arca de Noé, minha senhora.
- Proprietário.
- Deus, minha senhora.
- Tem que ser o nome completo.
- Deus Todo Poderoso.
- OK, Tonelagem e dimensões.
- 30 Toneladas, 25 Metros de comprido, 5 Metros de boca e 1,5 Metros de calado.
- Sim senhor, diga ao senhor Poderoso que tem que tem que pagar 2500€ de Imposto de Navegação, 350€ para os tramites legais e 12,50€ por dia pelo aluguer da doca. Dentro de três meses será entregue um guia provisória e aí poderá fazer a navegação de teste em alto mar para o navio ser homologado.
- Mas, mas, mas e o diluv...
- Desculpe, não posso fazer nada, tem que esperar como os outros, hora de almoço, bom dia.
A funcionária fecha o guichet com uma violência tremenda e quase que corta o nariz a Noé. Vira-lhe as costas e desaparece no meio de pilhas e pilhas de papéis.

Era uma tarde de sexta-Feira, Noé e o Senhor esperavam há quatro meses pela guia provisória que nunca mais chegava (tinham-se metido as férias pelo meio) quando de repente o céu ficou negro e começou a cair uma chuva impiedosa seguida de trovoada e vento forte, durante 15000 anos choveu sem parar e a bicharada morreu toda afogada, só se safaram os bichos que tinham escamas e guelras, os bichos de asas e patas foram todos na enchurrada, a história seguiu o seu curso e quando parou de chover alguns bichos que tinham escamas e guelras vieram cá para fora e ganharam patas e asas, alguns transformaram-se em lagartos e outros menos espertos não fizeram o upgrade para patas e asas e ficaram logo alí na praia. Mais tarde apareceram os macacos e depois dos macacos apareceu a gente e cá estamos...

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